Texto copiado na íntegra do site www.g1.com
Uma
pesquisa exclusiva revela a rotina, as aspirações e os dilemas de uma
geração de brasileiras que está adiando a entrada na vida adulta. Elas
têm tudo o que suas mães e avós não tiveram – liberdade, dinheiro e
carreira –, mas ainda sonham com filhos e o marido perfeito
Fernanda Colavitti
Quando
fala sobre suas prioridades, a publicitária paulistana Cléia Lourenço,
de 24 anos, não hesita. Diz que o investimento na carreira e na educação
é seu principal objetivo. Formada há um ano, ela trabalha desde 2008 em
uma agência de publicidade, na qual gerencia uma pequena equipe. Sua
jornada diária é de dez horas. O excesso de trabalho é o motivo pelo
qual está adiando para o ano que vem a pós-graduação e o curso de
idiomas. “Quero mais experiência e reconhecimento”, afirma. Mesmo com
tanta dedicação à carreira, a vida social da publicitária vai bem. Há um
ano e meio sem namorado, ela diz que sai com amigos quase todos os dias
e viaja nos fins de semana. O lazer consome 60% de sua renda. O resto
ela gasta com a manutenção do carro e com roupas, mas ainda consegue
guardar um pouco. Cléia mora com os pais, mas planeja morar sozinha no
ano que vem. Quer ter mais liberdade. Quando o assunto são seus planos
de longo prazo, porém, as expectativas são outras. “Daqui a uns cinco
anos, penso em ter um relacionamento sério, casar e ter filhos”, afirma.
“Tudo certinho, como manda o figurino.” Ela diz que depois de casar não
pretende abrir mão da profissão, mas que vai trabalhar menos para se
dedicar ao marido e aos filhos: “A ideia é trabalhar bastante agora para
poder reduzir depois”.
Cléia
faz parte de uma geração privilegiada de mulheres brasileiras. Aos 20 e
poucos anos, elas têm mais escolaridade, mais renda, mais planos, mais
oportunidades, mais independência e muito mais liberdade do que suas
mães e avós tiveram na mesma idade.
No entanto, mantêm os
mesmos valores em relação à família e à vida conjugal, embora as datas
tenham se alterado. O casamento tem de esperar pelo encaminhamento da
carreira, mas, depois disso, deve ser feito nos moldes históricos. Os
filhos podem vir depois dos 30 anos, mas sua chegada vai colocar a vida
profissional em segundo plano. As mulheres de 20 brasileiras são
conservadoras num mundo em processo acelerado de mudança. Essa é uma das
principais conclusões de um levantamento feito pela Sophia Mind,
empresa especializada em comportamento e tendências no universo
feminino. A pedido de ÉPOCA, o instituto de pesquisas entrevistou 3.100
mulheres (55% solteiras, 45% casadas), com idade entre 18 e 29 anos, que
têm acesso à internet banda larga, em todas as regiões do Brasil. As
entrevistas foram feitas por questionário on-line, entre fevereiro e
maio de 2010.
Os
resultados apresentados na imagem mostram que as jovens brasileiras de
classe média estão alinhadas a um movimento mundial de revisão de
valores e adiamento da vida adulta. Em boa parte dos países
desenvolvidos, os jovens estão ficando até mais tarde na casa dos pais,
atrasam compromissos afetivos e tratam da própria carreira sem pressa
aparente. Os cinco passos tradicionais que definiam a formação de um
adulto – terminar a escola, sair da casa dos pais, tornar-se
independente financeiramente, casar e ter filhos – estão sendo
ignorados, subvertidos ou ordenados de forma totalmente diferente. O
psicólogo americano Jeffrey Jensen Arnett, professor da Universidade
Clark, em Worcester, nos Estados Unidos, cunhou a expressão “adulto
emergente” para definir esse grupo dos vintões. Arnett acredita que essa
faixa etária tem de começar a ser encarada como um momento específico
da existência, com suas próprias características. Ele disse a ÉPOCA que o
movimento que está ocorrendo agora é similar ao que teve lugar um
século atrás, quando mudanças sociais e econômicas ajudaram a criar o
conceito de adolescência. Arnett afirma que, agora, a sociedade precisa
reconhecer a existência de um período de pós-adolescência. Os que vivem
as confusões desse período não são apenas jovens acomodados ou perdidos,
mas “adultos emergentes” que atravessam um período de transição com
ritmos e necessidades especiais.
Mas
homens e mulheres vivem esse período da mesma forma? Mais ou menos, diz
Arnett. “As mulheres experimentam da mesma maneira que os homens esse
período de transição antes de entrar na vida adulta”, afirma. “A única
diferença é que elas ainda têm um relógio biológico que, aos 30 anos,
começa a alertá-las de que seu período de fertilidade está no fim.
Portanto, se quiserem ter filhos, precisam crescer logo.” Isso significa
que o período de transição é maior nos homens do que nas mulheres?
Arnett diz que as estatísticas internacionais mostram que os homens
casam e têm filhos em média três anos depois das mulheres – e, mesmo
assim, a contragosto. “Apesar de não sentirem a pressão biológica para
ser pais, eles cedem à pressão das mulheres”, afirma.
A
pesquisa brasileira sugere que aqui as jovens estão mais engajadas no
mercado de trabalho do que suas congêneres nos países industrializados.
Talvez isso se explique por ser o Brasil um país mais pobre, que coloca
as pessoas diante da necessidade de trabalhar mais cedo. Qualquer que
seja a razão, o resultado é uma multidão de moças relativamente
abastadas, cujas prioridades, até os 25 anos – média de idade em que se
casam –, consistem em cuidar da própria carreira e educação. Adiar a
saída da casa dos pais facilita o investimento de tempo e dinheiro nesse
projeto – e permite aproveitar a vida de solteira. Não é pouca coisa.
As jovens ouvidas pela Sophia Mind ganham, em média, R$ 3.200. Elas
gastam esse dinheiro na seguinte ordem: roupas, sapatos, acessórios e
cosméticos, restaurantes, bares e casas noturnas. Apenas em produtos de
beleza torram R$ 69 por mês; 38% delas consideram que ler é essencial;
25% vão ao cinema ou ao teatro uma vez por mês; e 33% fazem exercícios
regularmente – mais da metade delas, 56%, frequenta academias de
ginástica.
A carioca Juliana Rodrigues, de 28 anos, está
entre elas. Como mora com os pais e não precisa participar das despesas
domésticas, usa todo o seu salário de tecnóloga com gastos pessoais, que
incluem jantares, boates, teatro, cinema, viagens, livros e revistas.
Sozinha desde 2002, ela diz não sentir falta de um namorado. “Se
aparecer alguém logo, ótimo. Mas, se demorar, não tem problema”, afirma.
Ela diz que seria difícil ficar solteira se estivesse desempregada, se
não estudasse, se não se divertisse. O que não é o caso. Assim como
Juliana, a maioria das mulheres da pesquisa atribui à independência
financeira, que lhe permite uma vida social intensa, o fato de não ter
pressa para arrumar um companheiro.
Essa atitude sugere
um grupo de mulheres poderosas. Elas têm profissão, dinheiro e
aspirações. Gostam de se divertir e consomem vorazmente. São
independentes e bem informadas. “Elas têm um tipo de poder que eu
chamaria de objetivo”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg, autora do
livro Toda mulher é meio Leila Diniz. “As mulheres brasileiras
nunca tiveram tanto poder. Não só de adquirir coisas, mas de fazer
escolhas.” Há, porém, um pedaço do universo feminino em que essas
escolhas parecem se restringir. Ele diz respeito aos parceiros. À
pesquisa da Sophia Mind, apenas 28% das mulheres disseram fazer sexo
casual. Não é um número surpreendente para quem estuda o comportamento
das brasileiras. Mirian Goldenberg diz que depois de ouvir 835 mulheres
da classe média carioca, descobriu que entre 18 e 60 anos elas tiveram
entre três e cinco parceiros sexuais. O ponto fora da curva foi uma
jovem de 28 anos que admitiu já ter tido 27 parceiros.
Essas
respostas confirmam uma pesquisa nacional com 8.200 participantes,
conduzida em 2008 pela psiquiatra Carmita Abdo, do Hospital das Clínicas
de São Paulo. Seus resultados mostram que entre os 18 e os 25 anos a
média de parceiros sexuais das brasileiras é de 1,4. Entre 26 e 40 anos,
a média sobe para 1,6. Isso mostra que vivemos numa sociedade de jovens
conservadoras? Sim, responde Mirian. “As garotas têm mais dinheiro,
mais sucesso, se vendem como modernas e avançadas, mas, no fundo, querem
manter o que a mãe e as avós tinham”, diz a antropóloga. A nova mulher
ainda espera encontrar o homem ideal, casar na igreja, ter filhos e ser
feliz para sempre. De preferência ao lado de um marido fiel e dedicado.
“A mulher brasileira mudou, mas não abre mão do outro poder, aquele que a
mãe e as avós tinham, que é o poder doméstico”, diz Mirian.
Isso
pode ser visto de outra forma. Quando 73% de jovens da classe média
respondem que desejam se casar na igreja, fica evidente que os valores
tradicionais ocupam um espaço importante na mente das brasileiras. Quase
a totalidade daquelas ouvidas pela pesquisa – exatos 97% – afirma que
seu modo de vida reflete o que foi aprendido em casa. Um número bastante
elevado, 73%, responde que vai transmitir aos filhos os valores que
recebeu dos pais. “Estamos diante de uma mulher em transição”, afirma a
psicóloga Ana Bock, professora de psicologia social da PUC de São Paulo.
Essas jovens, diz ela, têm independência financeira e novos projetos
profissionais e pessoais. Mas, ao mesmo tempo, mantêm valores
conservadores, muitas vezes machistas, segundo os quais deveriam ser
apenas boas mães e donas de casa. “Ela precisa provar que consegue fazer
as duas coisas, e o resultado disso são mulheres mais estressadas e
sobrecarregadas”, diz Ana. “Elas não podem voltar atrás em suas
conquistas profissionais, mas têm de conciliá-las com o que se espera
dela.”
A estudante de comunicação carioca Juliana Rabello
Marinho, de 23 anos, não está preocupada com isso. Estagiária de
jornalismo, ela quer se casar na igreja, com direito a todos os rituais
tradicionais. É seu grande sonho desde a infância. Depois de namorar
alguns rapazes, há um ano e meio conheceu aquele que diz ser o homem de
sua vida. Por sorte, ele também faz questão de se casar na igreja. Se
não quisesse, não haveria negociação. Juliana diz que só sai da casa dos
pais para o altar. “Acho que esse negócio de juntar não é direito. Se é
para casar, tem de ser perante Deus e eternamente.” Ela diz que ainda
não marcou uma data para a cerimônia, pois está esperando o momento
certo. Sem pressa, desde que seja antes dos 27 anos, idade em que
pretende ser mãe.
Para essa nova geração de mulheres, a
sensação de urgência começa à medida que se aproximam os 30 anos. É o
relógio biológico de que fala Jeffrey Arnett. Das mulheres
entrevistadas, 53% disseram que pretendem se casar entre os 25 e os 32
anos, quando esperam estar preparadas para assumir as responsabilidades
da vida adulta. Seria, para elas, o fim da “idade adulta emergente”.
Esse adiamento, diz Arnett, se tornou possível pela necessidade de mais
instrução para sobreviver em um sistema econômico baseado na informação.
Influi também a ausência de pressão para casar, devido à aceitação do
sexo premarital. Mas essa é uma situação que não se repete no Brasil. A
pesquisa mostra que apenas 32% das jovens brasileiras não sentem pressão
alguma dos pais para casar. As demais percebem algum grau de pressão
familiar.
Se a tese de Arnett for aceita, esse tipo de
exigência familiar deveria ser atenuada. Entre as características do
adulto emergente, homem ou mulher, está a exploração da identidade. Isso
significa que os jovens, mesmo quando são independentes
financeiramente, ainda não se sentem prontos para assumir
responsabilidades típicas da vida adulta, como pagar contas e cuidar da
casa. As demais características da transição – instabilidade,
egocentrismo, sentimento de despreparo e embriaguez com as
possibilidades da vida – também têm relação com a dúvida entre
aproveitar a longa adolescência ou cair na vida adulta de vez.
Para
as mulheres brasileiras, há um momento em que esse dilema se resolve de
forma abrupta: o casamento. Depois da união, elas percebem que seu
“senso de possibilidades” – característica dos adultos emergentes
definida como “a certeza de que sua vida vai melhorar em todos os
aspectos” – estava avariado. A maioria das solteiras ouvidas pela
pesquisa acredita que o casamento vai melhorar quase todos os aspectos
de sua vida. As entrevistas com as jovens casadas mostram que não é bem
assim. Elas ficam menos satisfeitas com a própria aparência, sentem que
dobrou a quantidade de tarefas domésticas, seus investimentos pessoais
diminuem e o número das que estão endividadas cresce. Em parte, isso se
deve à saída da casa dos pais, que tem efeitos sensíveis sobre as
finanças e a rotina doméstica. Mas há uma parte que se deve ao
casamento. A socióloga Karin Ligia Brondino, da Escola Superior de
Propaganda e Marketing, diz que a má interpretação do significado da
palavra “casamento” pode ajudar a explicar esse erro de expectativa. “Na
língua portuguesa, usamos a palavra casamento para designar tanto a
celebração da união como a vida conjugal que passará a existir”, diz. A
maioria das mulheres solteiras se refere ao casamento como a festa. O
planejamento sobre a nova vida não é uma questão. “Isso aumenta a chance
de frustração quando elas se deparam com a realidade”, diz Karin. É
quando o “homem ideal” vira o “homem real”, que não ajuda nos afazeres
domésticos e para quem a palavra “divisão” só se aplica ao pagamento das
contas.
Foi mais ou menos o que aconteceu com a
assistente de importação Danielle da Silva Quadros, de 27 anos. Casada
há três anos, ela diz que imaginava a vida a dois diferente. Achava que
iria viajar e sair mais com o marido. Mas, depois do casamento, a
predileção do parceiro pelo sofá cresceu. “Ele sempre foi mais caseiro
do que eu, mas antes me acompanhava. Agora sou eu que fico em casa com
ele.” Danielle diz que, quando era solteira, sua rotina se resumia a
trabalhar, ir para a academia de ginástica e sair todas as noites para
se divertir. Como as tarefas domésticas eram divididas com a amiga com
quem morava, não se sentia sobrecarregada. Agora é ela quem faz tudo.
“Ele até ajuda, mas é lento. Então acabo fazendo sozinha, pois não
aguento esperar”, afirma. Essa falta de paciência implica, segundo ela,
jornada de trabalho diária adicional de pelo menos três horas. Ela
inclui cozinhar, lavar roupa e cuidar dos quatro cachorros.
A
pesquisa mostra que, assim como Danielle, a maioria das brasileiras que
dizem “sim” concorda em assumir mais de 80% das tarefas domésticas.
Elas são as responsáveis por cuidar dos animais, preparar as refeições,
limpar a casa e lavar a roupa. O marido assume as responsabilidades pela
manutenção do carro e da casa: consertar chuveiro e trocar lâmpadas,
por exemplo. A responsabilidade de pagar as contas, jogar o lixo e ir ao
mercado é dividida. Quando nascem os filhos, o peso sobre eles fica
inteiramente com a mãe. São elas que levam as crianças à escola, às
atividades extraclasse e à consulta médica. Também ajudam no dever de
casa, preparam as refeições, organizam a festa de aniversário. A
psicóloga Lídia Weber, da Universidade Federal do Paraná, afirma que nem
sempre o homem é o culpado por essa divisão injusta. Ela cita estudos
que mostram que, sobretudo em relação à maternidade, é a mulher que faz
questão de centralizar toda a responsabilidade. Acha que só ela sabe
cuidar dos filhos. “Nessa questão, continuam iguais à mãe e às avós. Mas
estas não tinham de trabalhar fora”, diz Lídia.
Apenas 28% das mulheres pesquisadas disseram praticar sexo casual
Há
outra diferença notável em relação às antigas gerações. Apesar de 81%
delas acreditarem na união eterna e esperar por ela, boa parte das
entrevistadas (46%) revela-se conformada com a alternativa: se o
casamento acabasse, ficariam tristes, mas seguiriam a vida, graças à
independência financeira que 98% das solteiras pretendem manter após o
casamento. Essa é a principal responsável por outra singularidade dessa
geração de mulheres: a valorização e a exigência da fidelidade
masculina. Noventa e sete por cento das solteiras não aceitam nada
menos. “Hoje elas têm condição de exigir, pois não precisam mais do
dinheiro do marido para viver. Elas casam por valores subjetivos”, diz a
socióloga Silvia Bandeira, da Universidade de Brasília. Entre esses
valores estão companheirismo, possibilidade de formar uma família e
equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. São aspirações
legítimas que as mulheres de 20 anos têm tempo suficiente – e espaço
social – para conquistar.
Fonte:http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI168934-15228,00-QUEM+SAO+E+O+QUE+QUEREM+AS+MULHERES+DE.html